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ALEXANDR BLOK
( RÚSSIA )
1880-1921
Era filho de um professor de Direito e de uma escritora, e neto, por parte da mãe , do Reitor da Universidade de Petersburgo.
Terminou em 1906 a Faculdade de Letras daquela cidade.
Ainda estudante, tornou-se famoso como poeta simbolista.
Em 1903, casou-se com a filha do químico Mendeléiev.
A partir sobretudo da Revolução de 1905, sua poesia passa a refletir profunda preocupação social. Na mesma época, viajou bastante pele Europa Ocidental. Depois da Revolução de Outubro, escreveu relativamente pouco. O poema “Os doze”, provocou acirrada polêmicas. Enquanto muitos revolucionários consideravam esta obra alheia ao verdadeiro espírito de Outubro, a maior parte dos amigos e antigos companheiros simbolistas de Blok passou a ver no poeta um trânsfuga, um renegado. Sua morte parece ter sido consequência das difíceis condições materiais da época. Celebrado geralmente como o poeta máximo do simbolismo russo, ele mesmo já reputava essa corrente completamente ultrapassada, pelo menos nos últimos anos de vida. Deixou também um diário muito importante, artigos críticos e peças de teatro.
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POESIA RUSSA MODERNA. Nova antologia. 3ª. edição. Traduções de Augusto e Haroldo de Campos. Prefácio, resumos biográficos e notas; Boris Schnaiderman. São Paulo, Editora Brasiliense S.A, 1985. 292 p. No. 10 603
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
Do Ciclo Versos sobre a Bela Dama
No templo de naves escuras,
Celebro um rito singelo.
Aguardo a Dama Formosura
À luz dos velários vermelhos.
Á sombra das colunas altas ,
Vacilo aos portais que se abrem.
E me contempla iluminada
Ela, se sonho, sua imagem.
Acostumei-me a essa casula
Da majestosa Esposa Eterna.
Pelas cornijas vão em fuga
Delírios, sorrisos e lendas.
São meigos os círios, Sagrada!
Doce o teu rosto resplendente!
Não ouço nem som, nem palavra,
Mas sei, Dileta — estás presente.
1902
(Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)
Fábrica
No prédio há janelas citrinas.
E à noite — quando cai a noite,
Rangem aldravas pensativas,
Homens aproximam-se afoitos.
E os portões fechados, severos;
Do muro — do alto do muro,
Alguém imóvel, alguém negro
Numera os homens sem barulho.
Eu, dos meus cimos, tudo ouço:
Ele os chama, com voz de aço,
Costas curvas, sofrido esforço,
O povo aglomerado embaixo.
Eles hão de entrar à porfia,
Hão de por às costas o fardo.
Riso nas janelas citrinas:
Tapearam os pobres-diabos.
1903
(Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)
Do Ciclo Dança de Morte
Noite. Fanal. Rua. Farmácia.
Uma luz estúpida e baça.
Ainda que vivas outra vida,
Tudo é igual. Não há saída.
Morres – e tudo recomeças,
E se repete a mesma peça:
Noite — rugas de gelo no canal.
Farmácia. Rua. Fanal.
1912
(Tradução de Augusto de Campos)
Os Doze
Noite negra.
Neve branca.
Vento, vento!
Gente vacila na treva.
Vento, vento —
Varrendo toda a terra!
O vento escreve
Na neve branca.
Gelo — embaixo a neve.
É liso, rente:
O pé que passa
Desliza — pobre gente!
De casa em casa
Uma corda prende.
Sobre a corda uma faixa:
“Todo o poder à Assembléia Constituinte!”
Uma velhinha chora em voz baixa
Sem perceber o que se passa
“Para que essa imensa faixa?
Tanto pano desperdiçado,
Quantas roupas para as crianças,
E todo mundo esfarrapado...”
Lá vai, galinha espavorida,
A velhinha e seus temeliques:
— Ai, mãe-do-céu, os bolcheviques
Vão acabar com nossa vida!
O vento açoita, voraz.
O frio corta, feroz.
Na encruzilhada o burguês
De nariz no cache-nez.
E este, quem é? Longos bandós,
Murmureja a meia voz:
— Súcia!
— É o fim da Rússia! —
Por certo, um aristocrático
Literato...
E você, onde vai nesse trote,
Enrolado no se saiote?
Para que essa cara escura,
Camarada cura?
Você se lembra como antes
Impava, ventre para a frente,
A cruz pejada de brilhantes
No grande ventre sobre a gente?
Madame em seu astracã se
Encontra com outra dama:
— Ah, que doloroso transe...
Záz-trás, num relance
É madame que se esparrama!
Ai, ai!
Segura que ela cai!
Vento gaiato,
Vento espavento,
Levanta as saias.
Derruba a gente,
Rasga, rói, desfaz
O grande cartaz:
“Todo o poder à Assembléia Constituinte!”
E palavra traz:
...Também fizemos nossa conspiração...
... Essa é a casa...
... Revolução...
... Resolução...
10 rublos a hora, 25 a noitada...
... Por menos ninguém dá...
... Dorme comigo, vá...
É tarde.
Tudo turvo
Na rua
Nua.
Um velho curvo.
E o vento arde...
Ei, carcaça!
Vem cá,
Me abraça...
Pão!
De graça...
E o futuro?
Passa!
Escuro, céu escuro.
Ódio surdo, ódio
No peito oco,
Ódio escuro, São Ódio.
Camarada! Abre
O olho!
2
O vento vaga, a noite dança.
A coluna dos doze avança.
Nos fuzis, uma negra tira,
E o fogo, fogo, fogo gira...
Na boca um toco, à testa um gorro,
Falta somente um ás de ouros.
Liberdade, liberdade,
Sus, sus, sem cruz!
Tra-tá-tá!
Faz frio, frio atroz.
— Kátia e Vanka estão na taverna...
— Muita gaita entre a meia e a perna!
— Vaniuchka está cheio de nota...
— Já foi nosso, agora é da bota!
— Ah! Vankanalha de uma figa,
Não ponha a mão na minha amiga!
Liberdade, liberdade.
Sus, sus, sem cruz!
Kátia e Vanka, braços dados,
Para que, para que abraçados?
Tra-ta-ta!
E o fogo, fogo, fogo gira...
Fuzil no ombro, negra tira...
Revolução, mantém o passo!
O inimigo arma o seu laço!
Ergue o fuzil, tovãrich, sem receio!
Mira na Santa Rússia, bem no meio
Da nauseabunda,
Gravebunda,
Moribunda,
Sus, sus, sem cruz!
3
Nossos moços largam casa
Pelo Exército Vermelho.
Pelo Exército Vermelho
Nossos moços largam brasa!
Ah, dor-dureza!
Vida de moleza!
Fuzil austríaco,
Trapo de casaco!
Burguês, treme de terror!
Poremos fogo na terra,
Fogo no sangue —é a guerra!
Dá-nos tua benção, Senhor!
4
Trenó arranca, a neve risca,
Kátia e Vanka lá se vão...
Lanterna elétrica faísca
Sobre o timão...
Isca! Isca!
Galã de capote e bota,
Ele, cara de idiota,
Torce e retorce o bigode
Torce e retorce o bigode
Todo janota,
E chuchota...
Vanka — como ele é galante!
Vanka — como ele é bem falante!.
A Kátia ele abraça e beija
E corteja...
A nuca enfim ele dobra,
Dentes-pérolas desdobra...
Ah, Kátia, minha garota,
Minha gatinha marota...
5
Em teu colo, Kátia, fiz
Uma linda cicatriz.
Teu seio, Kátia querida,
Tem no meio uma ferida.
Dança, dança, bis!
Pernas roliças de atriz!
Punhas lingerie de renda —
Quebra, requebra!
Botavas teu corpo à venda —
Bola, rebola!
Rola, rola, meretriz!
Meu coração pede bis!
Lembras, Kátia, o oficial?
Só por causa de uma vaca
Passou pelo meu punhal,
Tua memória anda fraca?
A minha, bisca, te diz:
Vem, vaca, bis!
Palavras finos confeitos,
Passeavas de salto alto,
Andavas com os cadetes —
Agora vais com soldados?
Também quero ser feliz:
Bis, Kátia, bis!
6
... Lá vai em doida correria
O trenó — barra e bate o guia...
— Alto lá! Nem um passo mais !
— Ajuda, André! — Petruchka, atrás!
Trac-tarac-tac-tac!
Contra o céu a neve estilhaça.
— Lá se vai! Vanka escapuliu!
Um tiro ainda! Arma o fuzil!
Trac-tararac! Vais aprender
......................................
A não roubar minha mulher!
Foge, poltrão! Passou por perto
Mas cedo ou tarde ainda te acerto...
E Kátia? — Morta, lá, gelada,
Com a cabeça transpassada.
— Contente, Kátia? Você ria...
Ri, cadáver, na neve fria!
Revolução, mantém o passo!
O inimigo arma o seu laço.
7
De novo avançam na neve
Os doze — fuzil no ombro.
Só um deles não se atreve
A erguer o rosto da sombra.
Depressa, ainda mais depressa,
Lenço amarrado ao pescoço,
Desvairado vai o moço,
Sai do compasso, tropeça.
— Ei, camarada, onde vais?
— e te deu?
— Que te deu? O que te dói?
— Ei, Pedro, não podes mais?
Ou é Kátia que te rói?
— Camaradas, meus irmãos,
Eu a amava, realmente.
Noites negras, de paixão,
Kátia não me sai da mente.
— Por esse olhar — estopim
Que incendiou o meu peito,
Por esse sinal carmim
Sobre o seu ombro direito,
Eu a perdi, ai de mim,
Eu mesmo fiz o malfeito!
— Ei, Pedro, que choro é esse?
Ouçam só essa vitrola...
— Para que virar do avesso
A alma? Deixa de ser mole!
— Rapaz, ergue essa cabeça!
Anda, mantém o controle!
— Este não é o momento
Para servirmos de ama-
Seca do teu sentimento.
Uma ação maior nos chama!
E Petrucchka acerta o passo,
Vai de novo no compasso...
Cabeça alta, pra frente,
Ela sorri novamente...
Eia, eia!
Enche a cara, saqueia!
Fecha o trinco, põe tranca,
Hoje a entrada é franca!
Abre a adega, burguês,
Chegou a nossa vez!
8
Ah, dor-dureza!
Mortal
Tédio sem remédio!
Tempo, tempão
Mato, mato...
Fuzil na mão
Cato, cato...
Grãozinho, grão
Parto, parto...
Faca, facão
Corto, corto...
Burguês, foge com um rato!
Teu sangue barato
Bebo gota a gota
Por minha garota.
Senhor, acalma a alma de tua serva...
Tédio!
Tudo é silêncio na cidade,
Torre de Neva. Tudo jaz.
Não há mais guardas. Liberdade!
Viva! sem vinho, meu rapaz!
Eis o burguês na encruzilhada,
Nariz no cache-nez, ao vento.
A seu lado, transido, cauda
Entre as pernas, um cão sarmento.
Eis o burguês, um cão sem osso,
Taciturna interrogação,
E o mundo velho — frente ao moço —,
Rabo entre as pernas, como um cão.
10
A neve investe no vento.
Ah, vento nevoento!
A gente nem vê a gente
frente a frente.
Neve em funil se revira,
Neve em coluna regira...
— Ah, Senhor, que noite fria!
— Ei, chega de hipocrisia!
Que te adiantou, camarada,
Essa imagem redourada?
Procura ser consciente,
Deixa deste disparate. A
Tua mão ainda está quente
Do sangue da tua Kátia!
— Mantém, revolucionário,
O teu passo vigilante!
Avante, avante, avante,
Povo operário!
11
— Lá se vão sem santo e sem cruz
Os doze - pela estrada.
Prontos a tudo,
Presos a nada...
A mira dos fuzis de aço
Caça inimigos pelo espaço...
Até nos becos sem saída,
Lá onde a neve cai em maços
E a bota afunda, confundida,
Chega, implacável, o seu passo.
Vermelha-aberta,
A bandeira.
Todos alerta,
Em fileira.
Arma o seu guante
O adversário...
E a neve com seu cortante
Açoite
Dia e noite...
Avante, avante,
Povo operário!
12
... Eles se vão num passo onipotente...
— Quem vem aí? Fale ou atiro!
É o vento apenas a zurzir o
Pendão vermelho à sua frente...
Lá adiante, um monte de neve.
— Quem é? Quem está aí oculto?
Só um cachorro se atreve
A entremostrar o magro vulto...
— Some da vista, cão sarnento,
Ou eu te corto a baioneta!
Mundo velho, cão lazarento,
Desaparece na sarjeta!
Mostrando os dentes, como um lobo,
Rabo entre as pernas, segue atrás
O cão com fome, cão sem dono,
— Ei, responde, há alguém mais?
— Quem é que agita a bandeira?
— Olha bem, que noite escura!
— Quem mais por aí se esgueira?
— Saia de trás da fechadura!
— Továrich, te entrega logo!
É inútil. Não há saída.
— Melhor ser pego com vida,
Te entrega ou eu passo fogo!
Trac-tac-tac! — Só o eco
Responde de beco em beco.
Só o vento, com voz rouca,
Gargalha na neve louca...
Trac-tac-tac!
Trac-tac-tac...
Eles se vão num passo onipotente...
Atrás — o cão esfomeado.
À frente — pendão sangrento,
Às avalanches insensível,
Às balas duras invisível,
Em meio às ondas furiosas
Da neve, coroado de rosas
Brancas, irrompe imprevisto —
Á frente — Jesus Cristo.
Janeiro, 1918
Tradução de Augusto de Campos)
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Página publicada em junho de 2025.
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